CARVÃO ÓLEO FERRO
24.03.2023 - 18.05.2023
artista: Jaime Prades
CARVÃO ÓLEO FERRO
Jaime Prades
Esta exposição reúne as três técnicas e linguagens que pesquiso a minha vida toda: o desenho, a pintura e a escultura. Poderia dizer: a linha, a luz e o espaço, traçando essa equivalência já que as expressões humanas atuam em diferentes camadas da consciência e das suas manifestações materiais.
A arte trabalha os processos criativos das linguagens e as formas de como elas se corporificam. Esse trânsito entre consciência e matéria implica em um processo químico e alquímico onde as muitas inteligências que nos compõem como indivíduos nesse fenômeno da vida, cooperativamente atuam, através dos seus talentos, para se materializarem.
Assim como aprendemos através do resgate das sabedorias tradicionais que existe uma inteligência do coração, eu me atrevo a afirmar que todos os sentidos são manifestações de inteligências. Existe inteligência das mãos, do olhar, do ouvir... Indo mais além existe inteligência da pele, do corpo em movimento, de cada órgão em sua atividade. A ideia de que o cérebro seja o centro de controle talvez seja reducionista e pouco poética.
As nossas habilidades, as muitas maneiras de sentir, as intuições, escapam ao controle de uma visão que talvez reproduza a hierarquia que, traçando um paralelo, existe nas estruturas de poder do monoteísmo, das monarquias e de todas as organizações que se estruturam a partir de uma ordem piramidal.
Não cabe a mim o papel do cientista. Como artista, aprendo com o fazer, com a experiência. A linguagem em eterna mutação é a manifestação evolutiva da consciência. Se por volta de 30 mil anos atrás, encontramos registros das inscrições rupestres – hoje sabemos que aconteceram concomitantemente em lugares diferentes do planeta – podemos dizer de que houve um nascimento da linguagem que manifestou um salto de consciência e vice versa. No filme “A caverna dos sonhos esquecidos” de Werner Herzog, esse mistério é vasculhado enquanto os olhos mecânicos das lentes da câmera penetram cada vez mais fundo na caverna de Chauvet no sul da França.
Observar os processos artísticos contemporâneos nos ajuda a perceber a fermentação de processos evolutivos que estão acontecendo neste mundo em saturação. Nos ajuda a nos preparar e a exercitar as nossas capacidades das nossas plasticidades nos corpos físicos, mentais, emocionais e espirituais que nos definem como seres humanos.
Para mim é evidente que estamos diante de uma pressão evolutiva irrevogável. Diante da falência ambiental a nível planetário, a necessidade de descontruirmos estruturas preconceituosas de raça, gênero, classe, implica praticamente em rever todas as nossas estruturas civilizatórias.
Trata-se de reinventar o mundo!
O desenho, a pintura e a escultura são territórios experimentais onde o exercício da transformação se manifesta. Onde o equilíbrio acontece porque o ponto de gravidade muda a todo instante. Esse movimento permanente balança a música das esferas. O equilíbrio é impermanência. Exercitar a criatividade não é apenas um analgésico. O artista se atreve a mergulhar no seu abismo interior e a trazer para o mundo, transformado em obra, aquilo que fala nele.
Como disse Anselm Kiefer: arte não é entretenimento.
Assim como sou o curador da minha própria exposição, legitimado por mais de 45 anos de experiência e vivo que estou, também me permito trazer à tona este texto que foge das estruturas convencionais de apresentação de exposições.
O que aqui escrevo é parte das muitas reflexões que tenho neste momento da minha vida. Questões que perpassam o meu cotidiano onde diariamente me dedico ao fazer da arte. Dedico-me a pensar e produzir linguagem no ateliê-caverna onde, graças à solidão, consigo me sentir em comunhão comigo mesmo, com a sociedade e com a natureza.
Há, na minha opção pela arte, uma atitude anti sistémica. No sentido de priorizar práticas artesanais que dependem da inteligência das mãos, das habilidades do corpo. A obra é como um prolongamento do meu corpo e espírito, quase um órgão externo. Priorizo a simplicidade e me coloco diante do desafio de fazer o máximo com o mínimo de recursos.
CARVÃO ÓLEO FERRO acontece nesse contexto.
Espero que seja proveitoso.
Agradecimentos: Neta Novaes, Milena Franceschinelli, Clodoaldo de Oliveira, Lina Prades, Thales Othon, Dolores Prades, Maria da Silva, Gil Veloso e especialmente a Andréa Rehder e a equipe da galeria: Nina Lacaz e Bruna Granata